29 fevereiro 2012

O Bloco de Esquerda apresentou na reunião da Assembleia Municipal de Valongo, realizada no dia 28-02-2012, uma moção sobre a proposta da Reforma Administrativa Local, que foi aprovada com 15 votos a favor do PS, Bloco, CDU e Coragem de Mudar, duas abstenções do CDS e 10 votos contra do PSD, cujo teor transcrevemos:

Moção

Sobre a proposta de lei nº 44/XII,

em defesa da realização obrigatória de consulta popular

O governo apresentou na Assembleia da República a proposta de lei nº 44/XII conducente, entre outras medidas, à extinção de mais de 1.300 freguesias, principalmente na região Norte.

Refletindo um grande desprezo pelas opiniões e vontade já manifestada por órgãos autárquicos e eleitos locais, a proposta de lei introduz agora alterações, ainda mais inexplicáveis, aos critérios definidos no anterior “Documento Verde para a reforma da administração local” para a agregação, redução ou extinção de freguesias. Mas o objetivo final (redução de quase metade das freguesias), mantém-se inalterado.

Da aplicação dos critérios agora previstos resultará necessariamente o surgimento de mais de algumas centenas de freguesias, sobretudo na zona litoral, com mais de 20.000 habitantes, como é o caso de Valongo que passará a contar com duas super freguesias, enquanto que no interior do país a maioria dos municípios têm menos de 10.000 eleitores. As assimetrias na administração territorial serão ainda mais acentuadas, a centralização do poder (que tanto tem prejudicado o desenvolvimento do território) afastará ainda mais as populações da participação e das decisões
sobre a organização dos espaços urbanos e rurais. E as alterações propostas também não têm em conta que na Europa continental não existe a freguesia como entidade territorial local e que é de 5.580 habitantes a dimensão média nos mais de 90.000 municípios existentes na União Europeia.

As freguesias, porque se entrelaçam no longo processo de ocupação do solo, e pela sua proximidade às comunidades, constituem ainda hoje um elemento muito forte na identidade e
sentimento de pertença das populações. As mudanças ocorridas desde 1916 (quando a paróquia civil passou a designar-se “freguesia”) na distribuição da população, na construção dos equipamentos e na ocupação e usos do território, não aconselham a extinção de quase metade das freguesias, antes incitam ao reforço das suas competências, à melhoria da participação pública e ao aprofundamento da democracia local. A proposta de lei não aponta nessa direção, é assim uma oportunidade perdida.

A relevância do tema justifica, para além da intervenção dos autarcas e outros eleitos, a maior participação pública nos procedimentos que introduzam alterações significativas ao regime das autarquias locais. Nesse sentido a Carta Europeia da Autonomia Local (CEAL), assinada a 15 de Outubro de 1985 e que vincula o nosso país, aponta para um novo elemento: a consulta popular, por exemplo através de referendo. De acordo com o artigo 5º: "As autarquias locais interessadas devem ser consultadas previamente relativamente a qualquer alteração dos limites territoriais locais, eventualmente por via de referendo, nos casos em que a lei o permita."

Para concretização deste desiderato democrático, a lei deve determinar que a audição dos órgãos das autarquias locais afetadas tenha carácter vinculativo e com prazos adequados à realização de consultas às populações quanto ao destino da respectiva organização administrativa territorial.

Pelo exposto, a Assembleia Municipal de Valongo, reunida em 28 de Fevereiro de 2012 delibera:

1 – Considerar que a proposta de lei nº 44/XII não responde às necessidades e anseios das populações, dos autarcas e do país.

2 - Assumir a defesa da realização obrigatória de consultas locais, nas autarquias afetadas, quando esteja em causa a criação, extinção, fusão ou alteração territorial das autarquias locais.

a) Eliseu Lopes, representante do Bloco de Esquerda

23 fevereiro 2012

Farsa de Bruxelas mata ideia de solidariedade
entre países europeus

O que teve lugar na madrugada de segunda-feira em Bruxelas foi o episódio culminante da grande mentira em que se tornou a resposta europeia à crise.
Opiniao de João Semedo, em 22-Fevereiro-2012
O que teve lugar na madrugada de segunda-feira em Bruxelas foi o episódio culminante da grande mentira em que se tornou a resposta europeia à crise. A União Europeia emprestou dinheiro que sabe que a Grécia não pode pagar, o Governo Grego assinou um acordo que sabe ser impossível de cumprir. Na verdade não houve acordo nenhum, mas a imposição brutal das decisões do eixo alemão e a humilhação punitiva da Grécia e do seu povo. A farsa que teve lugar em Bruxelas mata a ideia da solidariedade entre os países europeus e, de uma assentada, atira a democracia e a soberania popular na Grécia para uma edição especial do canal memória. A presença em Atenas de uma missão permanente da missão da Comissão Europeia, que vigiará o orçamento, as privatizações e o enésimo plano de despedimentos e austeridade, significa que a Europa deixou de ser, decididamente, uma união entre estados soberanos e iguais nos seus direitos e deveres. Quando o ministro das finanças alemão se permite a afronta de perorar sobre qual será a melhor data para as eleições gregas, percebemos que a obsessão com a austeridade não representa apenas o suicídio económico e a aniquilação do emprego da Europa, mas o caldo político onde grassa o autoritarismo mais gratuito que se arrisca a soltar fantasmas de péssima memória no continente. Pouco importa que, com a trajetória da economia grega, a imprensa internacional já calcula que em 2020 a Grécia vai continuar a dever os mesmos 160 por cento que hoje deve, bem longe dos 120 por cento anunciados pelos clones de Merkel que se sentaram em Bruxelas. É esse o problema que enfrenta Portugal. A austeridade brutal que arruinou a economia grega, atirando o país para o abraço de urso da chantagem alemã e da hipoteca da democracia durante mais de uma década, é a mesma que, se nada for feito, vai atirar Portugal pelo mesmo caminho. Basta ver os números. Em 2011, fomos o país cuja dívida mais aumentou: 18 pontos percentuais. É este o resultado do memorando assinado com a troika. Portugal é o país da OCDE, em conjunto com a Espanha, onde o desemprego mais aumenta, e já temos mais de um milhão de cidadãos sem emprego. Se tudo o mais ficasse constante e a recessão não tornasse mais complicado o controlo das contas públicas, só o impacto da recessão acumulada em 2011 e 2012 significa um agravamento de 3 pontos no nosso endividamento. Mais pobres, sem emprego e muito mais endividados. E tudo isto, para no fim do plano, devermos mais 40 mil milhões de euros. É este o resultado da política de um Governo que, perante as críticas a este absurdo sem sentido, ainda tem o topete de nos chamar piegas. Um em cada sete portugueses não encontra trabalho; um em cada três jovens está desempregado; 1000 pessoas perderam o emprego a cada dia que passou nos últimos três meses do ano passado; os impostos aumentam mas a receita fiscal afunda-se. É este o retrato de uma economia parada e aonde alguns setores económicos, como é o caso do ramo automóvel ou da construção civil, já se encontram à beira da implosão. É este o resultado da obsessão com a austeridade. Mas, imune a todos os dados e à realidade do país, diz-nos o Governo que em 2013 é que vai ser. Há 36 dias que o ministro das Finanças viu o “ponto de viragem” na nossa economia. É caso para dizer, parafraseando Vítor Gaspar, que entre “ponto” e “viragem” há outras palavras que não foram citadas pelo ministro e elas são desemprego, recessão e endividamento crescente causado pela austeridade. O Governo reage como aquela pessoa que vê um clarão e, julgando ter encontrado finalmente a luz ao fundo do túnel, desata a correr sem se aperceber que está a caminhar em direção ao comboio. O veneno, servido às colheres ou bebido pelo frasco tem o mesmo resultado. A questão que temos pela frente não é se a austeridade mitigada e aos bocados resolve os problemas do país, mas como nos libertamos desta espiral de austeridade, que gera mais recessão e menos emprego, acabando sempre por aumentar o endividamento e o empobrecimento do país. Não há alternativa que não seja recusar a política da troika, renegociando a dívida, os seus montantes e prazos. Uma economia sem financiamento é uma economia moribunda. Em vez de encher os cofres dos bancos privados, que já tornaram claro que não vão investir na economia e no apoio às empresas, o Governo devia refinanciar o Caixa Geral de Depósitos e orientar a sua atividade para dinamizar a economia e o crescimento económico.
Declaração política do Bloco de Esquerda, na Assembleia da República a 22 de fevereiro de 2012