Bloco de Esquerda abriu debate público sobre o PDM
O primeiro debate público sobre a nova proposta de revisão do PDM do concelho de Valongo foi sexta-feira, dia 10 de Dezembro, levado a cabo pela organização local concelhia do Bloco de Esquerda.
No debate participaram a geógrafa Graça Lucena, o jurista e deputado da Assembleia Metropolitana do Porto, José Castro, e o economista Fernando Queirós, deputado na Assembleia Municipal de Matosinhos. A moderar o importante debate estava o líder local do Bloco de Esquerda, Eliseu Pinto Lopes.
Também convidado, e autor de algumas intervenções, esteve o investigador da História local, e ex-vereador, Jacinto Soares.
O debate decorreu na Sala da Lareira da Vila Beatriz.
Fotos URSULA ZANGGER
Eliseu Pinto Lopes começou por apresentar os elementos da mesa e dar por aberta a sessão passando a palavra a José Castro, jurista e deputado na Assembleia Metropolitana do Porto. Este, começando por enquadrar a nova proposta de revisão do PDM de Valongo, inseriu-a na experiência que, ao nível da região, foi encetada pelo PDM do Porto, o primeiro a ser elaborado com base na nova legislação de 1999.
Explicou depois o alcance dos planos directores municipais, que incluem mapa com previsão de crescimento das localidades, prescrevem o uso do solo e apontam as características de edificação.
Quanto às limitações da utilização do solo referiu as decorrentes das Reserva Ecológica e Reserva Agrícola Nacionais (REN e RAN) e ainda da Rede Natura 2000.
Todavia, estranhamente, notou o orador, a planificação apenas tem vindo a agravar (!) a devastação de recursos.
Nos últimos 15 anos, a área construída cresceu mais 42%, e os PDMs apmpliaram a área do solo com capacidade de edificação para um valor equivalente a uma massa de 30 milhões de habitantes!!!. Porquê? Porque se considerou que a construção civil iria ser o motor da economia e, sobretudo porque a concessão de crédito para aquisição de habitação própria se tornou meio fácil (através dos empréstimos garantidos) de vir a obter lucros para a banca.
Assim não admira que o endividamento familiar tenha crescido exponencialmente, de 5,8 milhões de euros em 1990, para 50 milhões no ano 2000 e 122 milhões em 2010.
Ao mesmo tempo, estima--se em um milhão o número de casas devolutas. O Estado terá gasto cerca de mil milhões de euros em bonificações fiscais. O capital empatado na situação que daqui decorre ascenderá a cem mil milhões de euros!!!
A situação da habitação não tem paralelo na Europa, apontou ainda José Castro! Por exemplo, se o nível do arrendamento privado é mais ao menos equivalente à média europeia, já o nível da habitação própria é muito superior, 75% contra 55%, enquanto o arrendamento social é muito inferior, 3% contra 20%. Toda esta situação só foi possível pela aliança de interesses entre construtores e elementos dos partidos que dominam o Poder Local.
Há pois, a necessidade de limitar os perímetros urbanos, de reforçar as características específicas de cada local, de atender aos aspectos ambientais e à qualidade urbana. E, naturalmente, de valorizar a participação pública nas intervenções a realizar.
Da leitura da proposta de revisão, tudo isto surge ainda muito timidamente.
A ANÁLISE
DE GRAÇA LUCENA
Graça Lucena, uma das participantes do Movimento de Defesa dos Jardins do Palácio de Cristal, traçou um quadro negro do ordenamento concelhio: «um urbanismo caótico», com «implantação aberrante do construído», em contraste com um património natural riquíssimo.
Notou a disparidade das freguesias, com cerca de 1 100 habitantes por quilómetro quadrado em Ermesinde, por exemplo, contra apenas cerca de 300 em Sobrado.
Segundo dados projectivos, apontou a diminuição significativa de jovens, já notada em 2001 quando, contraditoriamente, se aponta para «um crescimento da população».
Nota-se ainda a pouca capacidade de fixar a sua população que, em geral, vai trabalhar para fora do concelho. O importante seria perguntar – apontou Graça Lucena – “Que recursos temos?”, e “O que fazer?”. Mas o que se verifica é uma tendência para agravar as assimetrias. A floresta tem um peso significativo no concelho, mas é sobretudo monocultural (eucalipto) e monofuncional (com destino à produção de pasta de papel para a Europa), apontou ainda.
Porque é assim, os incêndios têm aqui o seu expoente máximo, com as populações permanentemente em risco. Ao mesmo tempo, as vias de acesso para o combate aos incêndios são difíceis.
A actual proposta de revisão do PDM, acusa a geógrafa, ignora esta situação.
Quanto à estrutura ecológica aponta que há «espaços verdes caríssimos», acantonados pelas auto-estradas, e que sobretudo, na proposa de revisão do PDM faltam as tentativas e propostas para solucionar os problemas.
A PERSPECTIVA
DE FERNANDO QUEIRÓS
O economista Fernando Queirós começou por lembrar a prática habitual das câmaras oferecerem terrenos às empresas, mas que, muitas vezes, estas empresas não trazem um verdadeiro valor acrescentado aos municípios, apenas se servindo deles.
Que actividades económicas queremos atrair?, questionou. Qual a sua compatibiilidade com a realidade local?
Queremos empresas tradicionais ou inovadoras? Queremos empresas de capital intenso ou geradoras de muito emprego?
Como somos? E como queremos ser? Mais competitivos, mais individualistas ou mais solidários?
Estas escolhas não são técnicas mas políticas, salientou o deputado municipal de Matosinhos. Ora, um dos processos de definição desta política é precisamente o PDM, mas a presente proposta de revisão não deixa transparecer um pensamento estratégico, sublinhou, à excepção o apontar das áreas industriais e da logística. Mas a logística não acrescenta grande valor e consome grandes recursos, desvalorizou. E quanto a áreas industriais, o que se sabe é que há uma proposta apoiada pelo Executivo, de criação de uma nova área industrial em Alfena, com 70 mil hectares, a criar, potencialmente 400 postos de trabalho, mas a implantar em zona de REN, numa área de risco de erosão.
E apontou ainda o maior desperdício, os recursos do ser humano.
E, por fim, concluiu:
A DENÚNCIA
DO ANTIGO
VEREADOR
O antigo vereador do PS começou por manifestar o seu interesse («gosto», como lhe chamou até) na discussão do PDM.
Aludindo à intervenção da geógrafa Graça Lucena, corroborou o facto do concelho ser muito desigual. «O concelho foi formado artificialmente, em 1863». Jacinto Soares, e todos os estudiosos da história local apontam, de facto, para duas realidades distintas, Ermesinde e Alfena como fazendo parte das terras de Maia, por geografia e por cultura, e Valongo, Campo e Sobrado, incluindo-se nas de Aguiar de Sousa, pouco tendo em comum umas e outras.
O antigo vereador confirmou depois uma outra acusação, antes adiantada por José Castro, que «o PDM veio dar cabo dos perímetros urbanos», aumentando em muitos locais os índices de construção. Em muitos casos, denunciou Jacinto Soares, as zonas envolventes de grandes prédios chegam a englobar os prédios vizinhos. E veja-se o caso de Ermesinde, a freguesia do concelho que embora já fosse muito populosa tinha os mais elevados índices de edificabilidade. «Em Ermesinde não há agora um espaço livre», acusou. Ao contrário, os índices de edificabilidade mais baixos verificavam--se em Campo e em Sobrado.
E passou depois à abordagem de uma outra questão, a do património natural de Valongo.
E elucidando Graça Lucena sobre algumas preciosidades do concelho, referiu, por exemplo, a existência de plantas carnívoras quase desaparecidas face à insensibilidade da Câmara Municipal de Valongo.
O IP4 destruiu tudo, lamentou o ex-vereador.
Eliseu Pinto Lopes, o moderador do debate, ao fazer uma proposta de síntese do que até ali tinha sido dito pelos oradores convidados, começou por desabafar: «Quanto mais se discute o PDM mais se fica assustado».
Começou por sublinhar a importância da discussão pública e atempada da presente proposta de revisão e, relembrando a experiência de discussão da proposta do PDM anterior, denunciou que então, não só não se tinha respeitado o ordenamento do território, como ainda por cima, na parte final da discussão pública, se tinham acolhido sim as propostas de indivíduos com interesses nos locais em questão.
INTERVENÇÕES
DO PÚBLICO
Sucederam-se as intervenções do público, que foram abordando outros aspectos mais gerais ou mais localizados.
«Quase que era preciso um PDM para cada freguesia», foi dito, embora também, em comentário a propósito se apontasse que também era necessário articular os planos de vários concelhos.
Que concertação há com os concelhos vizinhos?, perguntou-se ainda.
E voltando ainda à questão das plataformas logísticas, justificando que esta era uma aposta perdedora, apontou que, só na Área Metropolitana do Porto estavam previstas mais três, eventualmente melhor localizadas. «Não há espaço para tantas!», concluiu.
Do público veio ainda a ideia de que era importante tentar sensibilizar as pessoas com o argumento do disparate económico, porque a essa perspectiva as pessoas ligam mais facilmente do que a outros argumentos, como o da destruição do património natural ou paisagístico.
No concreto, aqui em Valongo, a grande pressão do executivo em consagrar a plataforma logística, nem tem sido tão bem acolhida pela equipa proponente da proposta de revisão, apontou-se. E das consequências da aprovação de tal plataforma, por exemplo, não se tem em conta a necessidade do atravessamento do concelho por centenas de viaturas todos os dias.
E apontou-se o mau ambiente urbanístico, a poluição do Leça, a construção em altura, a circulação automóvel e a consequente poluição atmosférica. Que mecanismos há para obrigar uma Câmara a seguir um caminho mais correcto?, quis saber uma pessoa do público. Jacinto Soares esboçou uma meia-resposta, a necessidade de se fazerem muitas reuniões, em todas as freguesias. E lembrou: «Quando tiverem o PDM quase pronto vai haver muita reclamação de proprietários para ver se conseguem valorizar os seus terrenos e promotores imobiliários na tentativa de ver aumentada a capacidade construtiva».
Jacinto Soares, por sua vez, lembrou outra coisa, o malfadado sistema de contrapartidas, pelas quais se permite o alargamento da área construída se houver um retorno para a Câmara. Deu o exemplo de muitos prédios de sete andares ou mais, que só foram possíveis nessas circunstâncias, chegando os executivos a incentivar a construção para obter esses retornos.
A revisão do PDM não vai passar da consagração dos erros já cometidos, lamentou ainda o antigo vereador.
Eliseu Pinto Lopes considerou que ainda havia muito a fazer na revisão e que era preciso boa-fé. Qualificando a matéria de «melindrosa», apelou à necessidade de combater os lobbies e as contrapartidas.
Queixou-se depois de que, pelo discutido se via que, mesmo na presente proposta de revisão do PDM, aparecia «um concelho sem identidade ou estratégia global, e no qual se esperavam alteração a la carte.
O grande erro é que estes documentos se limitam aos restritos círculos políticos».
Depois, e satisfeito com a própria iniciativa, apontou ainda que não se lembrava de, alguma vez, se ter levado a cabo no concelho uma discussão pública aberta sobre o tema.
Por fim, manifestou uma grande preocupação relativamente aos tempos que correm: «Valongo vai ser uma calamidade social. Há 800 famílias que precisam de casa e, ao mesmo tempo, 5 000 prédios devolutos», apontou.
No abstracto não houve diminuição da área de REN nem da área de RAN, só que, em parte, estas ficaram justapostas.